domingo, 7 de setembro de 2008

Prêmio Nobel propõe comer menos carne para combater mudanças climáticas

Da EFE
Líder do IPCC sugere não comer carne um dia por semana. Estudo mostrou que 20% das emissões de gases estufa vem do gado.


As pessoas deveriam parar de comer carne um dia por semana se quiserem fazer uma contribuição pessoal e efetiva ao combate à mudança climática, segundo o presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), Rajendra Pachauri.

Em entrevista ao dominical britânico "The Observer", o presidente do IPCC, prêmio Nobel da Paz 2007 junto com ex-vice-presidente americano Al Gore, destacou a importância de mudanças na dieta, devido à grande quantidade de emissões de dióxido de carbono e outros problemas ambientais associados à criação de gado.

 

Hábitos alimentares
Na opinião do economista indiano, que é vegetariano, é relativamente fácil mudar os hábitos alimentares em comparação à modificação dos sistemas de transporte. Após eliminar o consumo de carne um dia por semana, Pachauri propõe continuar reduzindo.

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) estimou que o setor de criação de gado representa 20% das emissões globais de gases do efeito estufa.

Além disso, também é uma das principais causas da degradação do solo e dos recursos hídricos. A FAO advertiu também que o consumo de carne vai duplicar em meados deste século. 

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A carne bovina contribui para o aquecimento global



Michaela Schiessl e Christian Schwägerl

Independentemente de o gado ser criado organicamente ou por métodos convencionais, o efeito final é ruim para o meio ambiente, segundo um novo relatório alemão. Mas o lobby do agronegócio impede os políticos de tratarem desta imensa fonte de emissão de gases do efeito estufa.

Para a maioria das pessoas, é o próprio quadro da bem-aventuranç a rural, de uma vida em sintonia com a natureza e o mundo saudável do campo: a vaca feliz pastando no prado viçoso, ruminando calmamente, com um bezerro ao seu lado.

Mas para Thilo Bode, a visão desta criatura de olhos mansos é tudo menos tranqüilizadora. Bode, o chefe da organização alemã de proteção do consumidor Foodwatch, alertou: "A vaca é uma bomba climática".

Independentemente de serem criadas de forma convencional ou orgânica, uma coisa que as vacas têm em comum é que arrotam e peidam sem contenção. Como todos os ruminantes, as vacas estão constantemente emitindo metano - um gás do efeito estufa que é 23 vezes mais poderoso do que o dióxido de carbono - por ambos os lados. Tão malcheirosas quanto as dos porcos, são as emissões gasosas de bilhões de bovinos, cabras e ovelhas que estão contribuindo para o aquecimento global.

Bode queria descobrir quão forte são os efeitos dos gases metano, óxido nitroso e CO2 no efeito estufa. Na segunda-feira (25), a Foodwatch publicou um estudo abrangente sobre os efeitos da agropecuária no clima, o primeiro estudo do tipo a diferenciar entre agropecuária convencional e orgânica. Os cientistas que conduziram o estudo, juntamente com o Instituto de Pesquisa Econômica Ecológica (IÖW) da Alemanha, levaram em consideração tanto as emissões de CO2 resultantes da produção de ração e fertilizantes, assim como as necessidades de terras e produtividade de vários métodos de produção.

Os resultados são suficientes para deixar os fãs de filés e hambúrgueres em pânico. Mesmo se todas as fazendas e métodos, orgânicos ou não, fossem otimizados para reduzir seus efeitos sobre o clima, a Foodwatch concluiu que a abordagem principal para tornar a agropecuária melhor para o clima exigiria uma redução drástica da produção de carne. Isto representaria um aumento radical nos preços do produto. "É hora de voltarmos aos dias do assado dominical", disse Bode.

Um ponto cego na política de proteção do clima

Mas quando chega a hora de dar a má notícia para o cidadão comum, os políticos se tornam repentinamente escassos. A agricultura é o ponto cego na política de proteção do clima do governo alemão. Os produtores rurais são em grande parte isentos do ambicioso programa nacional de redução das emissões dos gases do efeito estufa, em 40% em relação aos níveis de 1990 até o ano 2020, por meio de métodos como melhor isolamento térmico, economia de energia e uso de substitutos da gasolina. Ironicamente, a agropecuária alemã é responsável por 133 milhões de toneladas de emissões equivalentes ao CO2, o que a coloca próxima do nível de emissões atribuído ao trânsito (152 milhões de toneladas).

Funcionários do Ministério da Agricultura alemão, comandado por Horst Seehofer, um membro da conservadora União Social Cristã (CSU), oferecem uma explicação desarmadoramente simples: é "difícil demais, do ponto de vista metodológico" , medir os gases do efeito estufa que são emitidos pelo uso de fertilizantes, fumigação de pesticidas e herbicidas, digestão do gado e drenagem das terras alagadiças. Enquanto isso, o Ministério do Meio Ambiente tem uma posição completamente diferente sobre o assunto: "Nós isentamos a agricultura da estratégia de proteção do clima visando limitar o número de fontes potenciais de conflito", disse um alto membro da equipe do ministro do meio ambiente, Sigmar Gabriel, um membro do Partido Social-Democrata (SPD).

Hans-Joachim Koch, que, até recentemente, orientava o governo no seu papel de presidente do Conselho Consultivo do Meio Ambiente alemão, foi ainda mais direto quando disse: "O lobby é bem organizado". Seu sucessor, Martin Faulstich, concordou. "Ninguém ousa dizer que devemos comer menos carne e mais proteína vegetal", disse Faulstich, que anunciou planos para encomendar um relatório especial sobre a agricultura.

O conselho está particularmente preocupado com o afrouxamento dos padrões de proteção ambiental no contexto do planejado Código Ambiental. O Ministério da Agricultura conseguiu evitar regras relacionadas à agricultura, como uma proibição da drenagem de terras alagadiças. Agora o esboço da legislação será apresentado ao Parlamento alemão, o Bundestag, após as férias de verão - mas sem essas propostas.

Os resultados do estudo da Foodwatch claramente ilustram quão importante é a inclusão do setor agropecuário.

A pior fonte de emissões agropecuárias, correspondendo a 30% do total, é a drenagem de terras alagadiças. As grandes quantidades de CO2 presas no solo das terras alagadiças são liberadas quando a terra é usada para a agricultura ou pecuária. Segundo o estudo do IÖW, a única forma de deter estes efeitos adversos ao clima seria recuperar as terras alagadiças. A perda de terras resultante teria de ser compensada com o descarte completo da agricultura voltada aos biocombustíveis, uma prática que já é considerada questionável em termos de emissões de CO2, por causa da grande quantidade de fertilizantes que consome.

Mas, segundo a análise da Foodwatch dos resultados do estudo do IÖW, a agricultura orgânica também não é tão boa para o clima quanto muitos consumidores acreditam. Uma conversão completa para a agropecuária orgânica otimizada para o clima, que exige mais terras, reduziria as emissões em cerca de 20%. Mas isso se deveria principalmente ao não uso de fertilizante nitrogenado, com sua produção intensiva em energia e emissão de óxido nitroso nos campos. O óxido nitroso é 300 vezes mais prejudicial que o dióxido de carbono.

Notas baixas para a agropecuária orgânica

Se a quantidade de terra utilizada pela agropecuária permanecer no nível atual, o resultado seria alta perda de produtividade. Teria que ocorrer um declínio de 70% na produção de carne e leite. O efeito benéfico para o clima seria obtido principalmente pela redução do número de cabeças de gado, não pelo uso de métodos orgânicos.

A agropecuária orgânica também apresenta notas mais baixas quando se trata de engordar gado. O boi criado organicamente tem um impacto menos benéfico sobre o clima do que o boi altamente cultivado, mesmo quando a produção da ração é levada em conta. O boi criado organicamente precisa de mais espaço e também exige palha tradicional. Isso produz emissões, diferente dos pisos perfurados nos quais o gado "turbinado" passa sua breve vida.

Segundo a análise da Foodwatch, é aí que um conflito com grupos de direitos dos animais provavelmente surgirá. Mas uma coisa é clara: qualquer um que acredita que ao comprar um filé em uma loja orgânica está automaticamente contribuindo para a proteção do clima está enganado.

A diferença pode ser ilustrada por uma comparação com as emissões dos automóveis. A produção de um quilo de carne alimentada com capim gera a mesma quantidade de emissões que dirigir 113,4 quilômetros com um carro compacto. Devido aos métodos de produção mais intensivos, produzir um quilo de carne convencional equivale e dirigir apenas 70,6 quilômetros.

Um quilo de queijo, produzido de forma convencional, equivale a 71,4 quilômetros de rodagem, enquanto o queijo orgânico é um pouco mais favorável, com 65,5 quilômetros. Produzir um quilo de carne de porco causa o equivalente a apenas 25,8 quilômetros de rodagem, e apenas 17,4 quilômetros para carne de porco orgânica.

Os vegetarianos decididamente comem de uma forma boa para o clima. Mas a simples opção de viver sem carne bovina pode melhorar significativamente a pegada de carbono de uma pessoa.

Mas como convencer produtores rurais e consumidores a produzirem e consumirem de formas que sejam melhores para o clima?

Segundo a Foodwatch, fazer com que o setor agropecuário participe do comércio de emissões não é viável. Em vez disso, a Foodwatch quer que a União Européia elimine todos seus subsídios agrícolas e introduza taxas sobre emissões e impostos ambientais. Isso recompensaria os produtores rurais por produção boa em CO2. Os consumidores seriam aqueles que pagariam pelo novo sistema, com o resultado (pretendido) sendo um aumento substancial no custo da carne, leite e queijo.

Gabriel, o ministro do Meio Ambiente, tem uma posição semelhante. Em documentos de estratégia, ainda confidenciais, Gabriel busca ativamente um confronto com o lobby agropecuário. Segundo Gabriel, 40 bilhões de euros em subsídios agrícolas só podem ser justificados se o dinheiro não prejudicar o clima. Ele também quer introduzir um sistema de inspeção ambiental que proibiria a importação de ração produzida em antigas áreas de floresta tropical. Segundo o documento de Gabriel, "nós precisamos de reestruturação radical dos subsídios". Ele argumenta que os produtores rurais só devem receber subsídios por coisas que "tenham um efeito positivo sobre a natureza e o meio ambiente".

Ao expressar estas posições, o ministro do Meio Ambiente está se colocando diretamente em oposição a Seehofer e tomando partido da Comissão de Bruxelas, que espera redefinir até 17% dos subsídios agrícolas o mais rapidamente possível, de pagamentos diretos aos produtores rurais à proteção agrícola do clima.

Na terça-feira (26), Seehofer, que se opõe à idéia, se encontrou com especialistas agropecuários federais e estaduais em Bonn para finalizar um pacote de medidas de proteção ao clima. O plano inclui propostas para "fertilização mais eficiente", novos animais que emitem menos metano e auxílio de investimento para compra de "equipamento agrícola bom para o meio ambiente". Ele também pede pela redução da quantidade de terras em uso.

Na verdade, o plano apenas pede por ações que há muito são exigidas ou aprovadas de forma voluntária. Metas de conservação concretas não são especificadas e não há menção sobre a redução do número de vacas.

Os altos funcionários de Seehofer estão cientes de que estas medidas são insuficientes para reduzir significativamente as emissões de gases do efeito estufa. Segundo altos funcionários do ministério, uma redução drástica dos gases emitidos pela agricultura só seria possível se as pessoas consumissem menos carne, leite, queijo e iogurte. Mas os mesmos funcionários reconhecem que isto é algo que eles não desejam e nem possuem a autoridade para exigir que alguém faça.

A equipe de Seehofer teme que a imposição de um imposto do clima sobre a carne e o leite levaria a protestos sociais e políticos - e a uma terceirização da produção no exterior. Por este motivo, eles argumentam, não faz nenhum sentido seguir esta rota.

Mas a Foodwatch acredita que esta é a única abordagem razoável, e não está sozinha nesta avaliação. O World Wildlife Fund, o Greenpeace e muitos especialistas têm posições semelhantes. A Federação das Organizações Alemãs do Consumidor deseja ver tanto o setor agrícola quanto o Conselho Consultivo do Meio Ambiente sejam incluídos na política do clima.

Os verdes defendem um bônus de clima, e seu membro no Parlamento Europeu, Friedrich-Wilhelm Graefe zu Baringdorf, acredita que um imposto sobre CO2 faz sentido, desde que seja introduzido para todos os setores. Mas, disse Baringdorf, o imposto não deve ser usado para substituir os subsídios agrícolas, e o sistema de subsídios precisa ser completamente reformulado.

Baringdorf, um produtor rural orgânico, disse que uma certa quantidade de moderação na produção de carne seria apropriada. "Mas vamos ser honestos. Eu não acredito que o mundo acabará por causa de peidos e arrotos de vacas."

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Paul Roberts - "Em 2050, seremos todos vegetarianos"


Comer menos carne é o único meio de alimentar 10 bilhões de humanos, diz o autor de "O Fim da Comida"
Peter Moon

No Ensaio Sobre O Princípio Da População, publicado em 1798, o inglês Thomas Malthus fez uma afirmação alarmante. Como a população humana crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética, no longo prazo o saldo desse descompasso seriam a fome e o aumento da mortalidade, ajustando o tamanho da população à oferta de alimento. Em 1800, havia 1 bilhão de humanos. Hoje, somos 6,6 bilhões. A produção agrícola superou a explosão populacional. Malthus estava errado? Para o jornalista americano Paul Roberts, de 54 anos, talvez não. A hora de Malthus pode ter chegado. Em The End of Food (O Fim da Comida, editora Houghton Mifflin), Roberts prevê que, até 2050, a demanda por comida ultrapassará a oferta. Um primeiro alerta seria a atual explosão do preço dos alimentos.

 ENTREVISTA - PAUL ROBERTS  

Divulgação










QUEM É
Jornalista especializado em economia, tecnologia e meio ambiente. Tem 54 anos

O QUE FEZ
Colaborou com a revista Harper’s Magazine e com os jornais Los Angeles TimesThe Washington Post eThe Guardian (de Londres), entre outros

O QUE PUBLICOU
The End of Oil (O Fim do Petróleo, 2004);
The End of Food (O Fim da Comida, 2008)


A tonelada de arroz passou de US$ 400 para US$ 1.000 em cinco meses. No Brasil, o feijão subiu 168,44% em 12 meses. A culpa, para os analistas, é de chineses e indianos, que estão ganhando mais e comendo mais. Em 2030, a China importará 200 milhões de toneladas de grãos, ou seja, todo o excedente exportável mundial. O que sobrará para os países pobres? Se nada for feito, a fome.

ÉPOCAMalthus estava certo?
Paul Roberts
– Após 200 anos, é cada vez mais difícil dizer “não” a essa pergunta. Continuamos desenvolvendo novas tecnologias para produzir mais comida, mas enfrentamos novas restrições que os fazendeiros do passado não tinham. Historicamente, a forma de aumentar a produção era expandir a área plantada. Isso é cada vez mais difícil. A maioria das terras aráveis do planeta já é usada e a maior parte do que resta são as últimas florestas. É o caso do Brasil, onde as novas áreas de plantio são obtidas à custa da derrubada de florestas.

ÉPOCAÉ hora de outra Revolução Verde?
Roberts
– A Primeira Revolução Verde, que transformou a agricultura entre os anos 40 e 60, multiplicou a produção de alimentos graças ao uso de fertilizantes e ao desenvolvimento de novas sementes. Ainda é possível aumentar a produtividade usando os transgênicos. Mas essa tecnologia tem seus limites. Não podemos também esquecer que o preço da energia está subindo e que a agricultura moderna foi pensada no tempo em que o barril de petróleo custava US$ 20. Caso o preço se estabilize entre US$ 125 e US$ 200, o sistema atual não se sustenta.

ÉPOCAO que fazer?
Roberts
– Há três grandes desafios para criar uma Segunda Revolução Verde. O primeiro é o aumento do preço do gás natural, o principal insumo na produção de nitrogênio sintético, que por sua vez é o maior insumo dos fertilizantes. A maior parte do excedente agrícola atual se deve à disponibilidade de nitrogênio barato. Se o preço dos fertilizantes se mantiver elevado, alimentar daqui a 50 anos outros 4 bilhões de pessoas, além dos 6,6 bilhões atuais, será um tremendo desafio. É preciso alternativas para produzir novos fertilizantes.

ÉPOCAO segundo desafio é...
Roberts
– A falta d’água. Para isso não existe alternativa. Não há continente onde não falte água. Cada país responde ao desafio de forma diferente. A China está substituindo a produção de grãos, que usa irrigação maciça, pela de frutas e verduras, que consome menos água. Em 2007, importou 30 milhões de toneladas de soja, boa parte oriunda do Brasil. Isso significa que a China está importando de vocês sua água. Está ocorrendo uma mudança no “mercado virtual” de água. Por algum tempo, isso deve contrabalançar a escassez. Mas, no fim das contas, não existe água suficiente no mundo para atender ao aumento projetado na demanda de alimentos.

ÉPOCA E o terceiro?
Roberts
– O último é o maior de todos: as mudanças climáticas. Elas vão dificultar o aumento na produção de comida e acentuar a escassez de água. A alteração do clima também será um desafio para que grandes exportadores, como os Estados Unidos e o Canadá, consigam elevar sua produção. Os desafios são complexos e as respostas para eles também. Será preciso reduzir o uso de energia e de água na agricultura, ao mesmo tempo que se elevam a eficiência e a produtividade. Porém, isso não será o bastante. Seremos obrigados a comer menos.

ÉPOCAA Terra pode alimentar 2,5 bilhões de bocas com uma dieta ocidental, rica em carne, ou 20 bilhões de vegetarianos. Mas somos 6,6 bilhões...
Roberts
– A pecuária e a avicultura consomem grande parte da produção de grãos. Tome o exemplo dos Estados Unidos, com um consumo anual per capita de 100 quilos de carne, comparado ao da Índia, com 15 quilos. É preciso elevar o consumo da Índia e desencorajar o consumo nos Estados Unidos e na Europa, para tentar atingir uma média global de consumo mais justa e sustentável.

ÉPOCA Isso não é utopia?
Roberts
– É preciso reduzir o consumo de carne. A questão é como fazê-lo. Nos Estados Unidos não se toca no assunto. Achamos que comer carne é um direito eterno. Seu consumo é considerado um índice de prosperidade – apesar dos problemas de saúde, como doenças cardíacas, que seu consumo acarreta.

ÉPOCANo Brasil, é a mesma coisa.
Roberts
– O Brasil está se desenvolvendo, e a lógica pressupõe que num país bem-sucedido come-se tanta carne quanto se deseja. Para inverter essa lógica, é preciso um líder corajoso e habilidoso. Essa não é uma prioridade dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos. Cedo ou tarde, essa discussão terá de ser atacada.

"Como dizer a 1,3 bilhão de chineses que eles devem comer menos
carne, se isso tem sido um objetivo humano por milhares de anos?"

ÉPOCA Barack Obama e John McCain têm opinião a respeito?
Roberts
– Não sei. Não é uma questão que eles levantariam na campanha. Não soaria como algo patriótico.

ÉPOCAO aumento do preço da comida ameaça elevar em 100 milhões o total de 862 milhões de famintos no planeta. Mas há 1 bilhão de pessoas com sobrepeso. O problema da humanidade é a fome ou o diabetes?
Roberts
– Ambos são problemas. Se fosse forçado a escolher, priorizaria a subnutrição, pois ela mata as pessoas muito mais cedo, e sua solução contribuiria para a estabilidade do clima. Dito isso, se fracassarmos em lidar com a questão da obesidade, no longo prazo pagaremos um enorme preço na forma de despesas médicas. Por 200 mil anos, a espécie humana teve sua dieta restrita pela disponibilidade ou não de alimento. A invenção da agricultura, há 10 mil anos, mudou esse padrão. A obesidade é conseqüência do acesso a uma alimentação farta e barata. Para manter uma dieta saudável, é preciso disciplina, e nós não fomos biologicamente projetados para controlar nossa gula.

ÉPOCAO Brasil será o celeiro do mundo à custa da destruição da Amazônia?
Roberts
– Apesar de conhecermos as conseqüências científicas e ambientais da rápida expansão da agricultura, somos incapazes de resistir à pressão política e econômica. Na imprensa econômica americana, o Brasil é retratado como uma história de sucesso. O país será uma superpotência na produção de alimentos. No entanto, quando olhamos as publicações científicas, o Brasil é retratado em termos muito negativos. A lógica gira em torno do fato de a população chinesa ganhar hoje o suficiente para comer carne, o que leva à destruição das florestas no Brasil. A questão fundamental é: como dizer a 1,3 bilhão de chineses que eles devem comer menos carne, se comer carne tem sido um objetivo humano por milhares de anos?

ÉPOCASeu livro anterior se chamava O Fim do Petróleo. O atual é O Fim da Comida. Qual será o próximo, o fim da água? O fim da natureza? O fim da esperança?
Roberts
– (Risos.) Vou trabalhar num livro sobre as finanças globais, outro desastre. O mercado financeiro é a chave de tudo. Nada do que conversamos, como a conversão de florestas em área de cultivo no Brasil, pode acontecer sem a ajuda dos mercados financeiros. Eles estão em crise. São uma faca de dois gumes que é preciso entender melhor.

ÉPOCAO senhor é otimista com o futuro?
Roberts
– Acho que sou. Ao dissecar a questão da escassez de recursos, aprendi como as coisas podem se tornar ruins. Eu sei qual é o pior cenário possível se não alterarmos a rota na qual caminhamos. Com isso em mente, acredito que qualquer mudança será para melhor. É muito fácil ser pessimista, mas isso não faria o menor sentido. A humanidade sempre conviveu com a escassez. Essa é a condição humana.