A Carne
terça-feira, 3 de abril de 2012
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
terça-feira, 24 de março de 2009
Parar de comer carne pode salvar a Amazônia?
Militantes e cientistas afirmam que a pecuária bovina está destruindo as florestas e propõem um boicote
Juliana Arini
APETITE Meirelles no Mercado Ver-o-Peso, em Belém. Ex-administrador de fazendas, ele largou o negócio para militar contra a carne |
João Meirelles Filho pertence à terceira geração de pecuaristas em sua família. Formado em Administração, passou dez anos gerindo fazendas de gado em Mato Grosso do Sul. No fim da década de 90, sua carreira mudou. Com a chegada do ecoturismo à região, Meirelles acordou para os impactos ambientais de algumas atividades, como a pecuária. Deixou de comer carne. Largou as fazendas e mudou-se para Belém, onde fundou uma ONG para defender a Amazônia. Hoje, vegetariano, é um dos que pregam a redução no consumo de carne bovina para salvar a floresta. "Parei de comer carne aos 40 anos", diz. "É prova de que qualquer um pode mudar seus hábitos."
Meirelles faz parte de um movimento que cresce em todo o mundo. Para essas pessoas, os bifes de nossas refeições diárias são a causa da destruição de vários ecossistemas naturais, como a Amazônia. É uma idéia incômoda, mas tem lógica. Afinal, 78% do desmatamento na Amazônia aconteceu para abrir espaço para os pastos, segundo o Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O argumento é que, se o consumo de carne cair, também se reduz a pressão para expansão dos pastos sobre a floresta. Mas reduzir o consumo de carne - ou boicotá-la - vai mesmo preservar a floresta?
Os pecuaristas |
Parar de comer carne sempre foi a bandeira dos vegetarianos. Suas razões eram principalmente a saúde humana e os direitos dos animais. Hoje, o foco mudou. "Agora o meio ambiente pesa na decisão de não comer carne", diz o biólogo Sérgio Greif, da Sociedade Vegetariana Brasileira. Um dos pioneiros nessa nova onda foi o pesquisador britânico Norman Myers, da Universidade de Oxford, um dos mais respeitados naturalistas do mundo. Na década de 80, criou o termo"Conexão Hambúrguer" para ligar o consumo de carne nas redes de fast-food dos Estados Unidos à destruição das florestas na América Central. Um dossiê inspirado no termo de Myers foi feito em 2003 pelo Centro para Pesquisa Florestal Internacional, desta vez sobre a Amazônia. De lá para cá, a causa só cresceu.
Um dos mais expoentes adeptos da campanha por menos carne e mais florestas é o biólogo americano Edward Wilson, da Universidade Harvard. Segundo ele, só será possível alimentar a população mundial no fim do século, estimada em 10 bilhões de pessoas, se todos forem vegetarianos. "O raciocínio é matemático", diz Greif. Para ele, alimentar os bois com pasto ou grãos é o meio menos eficiente de gerar calorias. A produção de grãos de uma fazenda com 100 hectares pode alimentar 1.100 pessoas comendo soja, ou 2.500 com milho. Se a produção dessa área for usada para ração bovina ou pasto, a carne produzida alimentaria o equivalente a oito pessoas. A criação de frangos e porcos também afeta as florestas. Para alimentar esses animais, é necessário derrubar árvores para plantar soja e produzir ração. Mas, na relação custo-benefício entre espaço, recursos naturais e ganho calórico, o boi é o pior.
O gado tem sido considerado o grande vilão da Amazônia. Hoje, o Brasil mantém 195 milhões de bovinos. Há mais bois que pessoas. Cerca de 35% desse rebanho está na Amazônia. Para alimentar o gado, os pecuaristas desmataram uma área de 550 quilômetros quadrados, o equivalente ao Estado de Minas Gerais. Criados livres no campo, sem ração, os bois precisam todo ano de novas áreas derrubadas para a formação de pasto.
A pecuária na região está ligada à ocupação irregular de terras públicas. As terras da região pertencem ao Estado e em sua grande maioria foram tomadas na forma de posse. "Sem ter de pagar pela terra, fica mais barato produzir lá que no Sul e no Sudeste", diz Paulo Barreto, do Imazon. Para comprovar a posse da área tomada, o fazendeiro precisa mostrar que a terra é produtiva. "Para isso também servem os bois", afirma Barreto.
Além disso, segundo o Banco Mundial, o modelo regional de pecuária não traz o desenvolvimento. Seria até o contrário. Primeiro, porque a disputa por terras públicas faz a Amazônia ter um índice alto de assassinatos no campo. Cinco dos dez municípios mais violentos do país estão na região. Dados do Banco Mundial também demonstram que os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) das cidades com grandes rebanhos são similares aos dos países mais pobres do mundo.
A tendência é que os bois avancem mais sobre a floresta, para atender a uma demanda crescente de carne para exportação. Hoje, 10% dos bois abatidos na Amazônia abastecem o mercado internacional. O grande obstáculo é a ocorrência de febre aftosa no rebanho da região. O Ministério da Agricultura, os produtores e os pesquisadores acreditam que, com a erradicação da doença, o rebanho pode até duplicar para atender à demanda internacional.
PELAS PLANTAS O biólogo Sérgio Greif em um mercado de São Paulo: "Só o vegetarianismo pode salvar o mundo da fome" |
Diante desse quadro, pregar a redução no consumo de carne faz sentido. Isso não quer dizer que funcione. Para o próprio coordenador do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adário, a idéia de salvar a floresta pela campanha contra o consumo de carne é "problemática". O primeiro obstáculo, para ele, é o gosto do brasileiro pelo churrasco. "Não somos um país culturalmente vegetariano", diz Adário. "Essa redução é mais fácil em alguns países, em outros não." O segundo obstáculo é convencer a parcela da população que acabou de comemorar sua ascensão social, com acesso à carne, a abrir mão do churrasco no fim de semana. Com a desvalorização do dólar e a estabilização da economia mundial, muitas pessoas começaram a comer seus primeiros bifes diários nos últimos dez anos. Essa mudança de hábito alimentar é mundial. Aconteceu no Nordeste brasileiro e até na China, abrindo um novo mercado para a carne. "Falar para essa população que agora ela não pode comer carne pelo bem da Amazônia é, no mínimo, cruel."
A solução pode ser um caminho intermediário. Parte dela passaria por uma redução - e não um abandono completo - do consumo de carne. Um brasileiro consome, em média, 38 quilos de carne bovina por ano. "Se optássemos por comer carne apenas três vezes por semana, em vez de todos os dias, a demanda seria menor", diz Meirelles. "É uma boa opção para os que possuem poder aquisitivo e acesso a outros tipos alimentos."
Um primeiro efeito na redução do consumo de carne, por paradoxal que pareça, pode ser um aumento na quantidade de bois. Uma situação similar já aconteceu com a entrada dos grandes frigoríficos na Amazônia, há sete anos. Eles baixaram o preço pago ao pecuarista. "Tivemos de aumentar o rebanho para compensar a queda", diz Ronaldo Freitas, pecuarista de Rondônia. Por outro lado, caso a redução no consumo de carne persista e faça a pecuária ficar menos lucrativa, os pecuaristas podem, a longo prazo, reduzir os rebanhos. "Sem comprador, o melhor seria mudar de atividade", diz Freitas.
Uma nova técnica |
Independentemente das campanhas, existem formas de produzir carne sem destruir a floresta. É o que afirma Marcelo Lessa, coordenador de agronegócio do IFC, braço do Banco Mundial que investe no setor privado. Ele está tentando mudar os critérios de compra dos frigoríficos naAmazônia. "É uma aposta para frear o avanço da pecuária predatória", diz. Neste ano, o IFC começou a investir nos frigoríficos da região. Em troca, estabeleceu regras para a compra de carne. Nos próximos dois meses, os frigoríficos não poderão comprar de fazendas que tenham multas ambientais, estejam envolvidas em grilagem de terras ou tenham denúncias de trabalho escravo. Dentro de dois anos, vão exigir a regularização fundiária das fazendas fornecedoras.
Outra esperança é uma nova técnica agrícola desenvolvida pela Embrapa. O projeto é transformar áreas usadas apenas para pecuária num uso misto, com pastos, lavoura e até manejo florestal. O agricultor faz uma rotação dessas culturas em seu terreno. O gado é alimentado com grãos produzidos na propriedade. Com isso, uma área com 0,7 boi por hectare pode manter um rebanho quatro vezes maior. Gera até um excedente de grãos para venda externa. "Podemos continuar a comer carne sem precisar derrubar mais nenhuma árvore", afirma Barreto, do Imazon.
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domingo, 7 de setembro de 2008
Prêmio Nobel propõe comer menos carne para combater mudanças climáticas
Da EFE
Líder do IPCC sugere não comer carne um dia por semana. Estudo mostrou que 20% das emissões de gases estufa vem do gado.
As pessoas deveriam parar de comer carne um dia por semana se quiserem fazer uma contribuição pessoal e efetiva ao combate à mudança climática, segundo o presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), Rajendra Pachauri.
Em entrevista ao dominical britânico "The Observer", o presidente do IPCC, prêmio Nobel da Paz 2007 junto com ex-vice-presidente americano Al Gore, destacou a importância de mudanças na dieta, devido à grande quantidade de emissões de dióxido de carbono e outros problemas ambientais associados à criação de gado.
Na opinião do economista indiano, que é vegetariano, é relativamente fácil mudar os hábitos alimentares em comparação à modificação dos sistemas de transporte. Após eliminar o consumo de carne um dia por semana, Pachauri propõe continuar reduzindo.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) estimou que o setor de criação de gado representa 20% das emissões globais de gases do efeito estufa.
Além disso, também é uma das principais causas da degradação do solo e dos recursos hídricos. A FAO advertiu também que o consumo de carne vai duplicar em meados deste século.
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
A carne bovina contribui para o aquecimento global
Michaela Schiessl e Christian Schwägerl
Independentemente de o gado ser criado organicamente ou por métodos convencionais, o efeito final é ruim para o meio ambiente, segundo um novo relatório alemão. Mas o lobby do agronegócio impede os políticos de tratarem desta imensa fonte de emissão de gases do efeito estufa.
Para a maioria das pessoas, é o próprio quadro da bem-aventuranç a rural, de uma vida em sintonia com a natureza e o mundo saudável do campo: a vaca feliz pastando no prado viçoso, ruminando calmamente, com um bezerro ao seu lado.
Mas para Thilo Bode, a visão desta criatura de olhos mansos é tudo menos tranqüilizadora. Bode, o chefe da organização alemã de proteção do consumidor Foodwatch, alertou: "A vaca é uma bomba climática".
Independentemente de serem criadas de forma convencional ou orgânica, uma coisa que as vacas têm em comum é que arrotam e peidam sem contenção. Como todos os ruminantes, as vacas estão constantemente emitindo metano - um gás do efeito estufa que é 23 vezes mais poderoso do que o dióxido de carbono - por ambos os lados. Tão malcheirosas quanto as dos porcos, são as emissões gasosas de bilhões de bovinos, cabras e ovelhas que estão contribuindo para o aquecimento global.
Bode queria descobrir quão forte são os efeitos dos gases metano, óxido nitroso e CO2 no efeito estufa. Na segunda-feira (25), a Foodwatch publicou um estudo abrangente sobre os efeitos da agropecuária no clima, o primeiro estudo do tipo a diferenciar entre agropecuária convencional e orgânica. Os cientistas que conduziram o estudo, juntamente com o Instituto de Pesquisa Econômica Ecológica (IÖW) da Alemanha, levaram em consideração tanto as emissões de CO2 resultantes da produção de ração e fertilizantes, assim como as necessidades de terras e produtividade de vários métodos de produção.
Os resultados são suficientes para deixar os fãs de filés e hambúrgueres em pânico. Mesmo se todas as fazendas e métodos, orgânicos ou não, fossem otimizados para reduzir seus efeitos sobre o clima, a Foodwatch concluiu que a abordagem principal para tornar a agropecuária melhor para o clima exigiria uma redução drástica da produção de carne. Isto representaria um aumento radical nos preços do produto. "É hora de voltarmos aos dias do assado dominical", disse Bode.
Um ponto cego na política de proteção do clima
Mas quando chega a hora de dar a má notícia para o cidadão comum, os políticos se tornam repentinamente escassos. A agricultura é o ponto cego na política de proteção do clima do governo alemão. Os produtores rurais são em grande parte isentos do ambicioso programa nacional de redução das emissões dos gases do efeito estufa, em 40% em relação aos níveis de 1990 até o ano 2020, por meio de métodos como melhor isolamento térmico, economia de energia e uso de substitutos da gasolina. Ironicamente, a agropecuária alemã é responsável por 133 milhões de toneladas de emissões equivalentes ao CO2, o que a coloca próxima do nível de emissões atribuído ao trânsito (152 milhões de toneladas).
Funcionários do Ministério da Agricultura alemão, comandado por Horst Seehofer, um membro da conservadora União Social Cristã (CSU), oferecem uma explicação desarmadoramente simples: é "difícil demais, do ponto de vista metodológico" , medir os gases do efeito estufa que são emitidos pelo uso de fertilizantes, fumigação de pesticidas e herbicidas, digestão do gado e drenagem das terras alagadiças. Enquanto isso, o Ministério do Meio Ambiente tem uma posição completamente diferente sobre o assunto: "Nós isentamos a agricultura da estratégia de proteção do clima visando limitar o número de fontes potenciais de conflito", disse um alto membro da equipe do ministro do meio ambiente, Sigmar Gabriel, um membro do Partido Social-Democrata (SPD).
Hans-Joachim Koch, que, até recentemente, orientava o governo no seu papel de presidente do Conselho Consultivo do Meio Ambiente alemão, foi ainda mais direto quando disse: "O lobby é bem organizado". Seu sucessor, Martin Faulstich, concordou. "Ninguém ousa dizer que devemos comer menos carne e mais proteína vegetal", disse Faulstich, que anunciou planos para encomendar um relatório especial sobre a agricultura.
O conselho está particularmente preocupado com o afrouxamento dos padrões de proteção ambiental no contexto do planejado Código Ambiental. O Ministério da Agricultura conseguiu evitar regras relacionadas à agricultura, como uma proibição da drenagem de terras alagadiças. Agora o esboço da legislação será apresentado ao Parlamento alemão, o Bundestag, após as férias de verão - mas sem essas propostas.
Os resultados do estudo da Foodwatch claramente ilustram quão importante é a inclusão do setor agropecuário.
A pior fonte de emissões agropecuárias, correspondendo a 30% do total, é a drenagem de terras alagadiças. As grandes quantidades de CO2 presas no solo das terras alagadiças são liberadas quando a terra é usada para a agricultura ou pecuária. Segundo o estudo do IÖW, a única forma de deter estes efeitos adversos ao clima seria recuperar as terras alagadiças. A perda de terras resultante teria de ser compensada com o descarte completo da agricultura voltada aos biocombustíveis, uma prática que já é considerada questionável em termos de emissões de CO2, por causa da grande quantidade de fertilizantes que consome.
Mas, segundo a análise da Foodwatch dos resultados do estudo do IÖW, a agricultura orgânica também não é tão boa para o clima quanto muitos consumidores acreditam. Uma conversão completa para a agropecuária orgânica otimizada para o clima, que exige mais terras, reduziria as emissões em cerca de 20%. Mas isso se deveria principalmente ao não uso de fertilizante nitrogenado, com sua produção intensiva em energia e emissão de óxido nitroso nos campos. O óxido nitroso é 300 vezes mais prejudicial que o dióxido de carbono.
Notas baixas para a agropecuária orgânica
Se a quantidade de terra utilizada pela agropecuária permanecer no nível atual, o resultado seria alta perda de produtividade. Teria que ocorrer um declínio de 70% na produção de carne e leite. O efeito benéfico para o clima seria obtido principalmente pela redução do número de cabeças de gado, não pelo uso de métodos orgânicos.
A agropecuária orgânica também apresenta notas mais baixas quando se trata de engordar gado. O boi criado organicamente tem um impacto menos benéfico sobre o clima do que o boi altamente cultivado, mesmo quando a produção da ração é levada em conta. O boi criado organicamente precisa de mais espaço e também exige palha tradicional. Isso produz emissões, diferente dos pisos perfurados nos quais o gado "turbinado" passa sua breve vida.
Segundo a análise da Foodwatch, é aí que um conflito com grupos de direitos dos animais provavelmente surgirá. Mas uma coisa é clara: qualquer um que acredita que ao comprar um filé em uma loja orgânica está automaticamente contribuindo para a proteção do clima está enganado.
A diferença pode ser ilustrada por uma comparação com as emissões dos automóveis. A produção de um quilo de carne alimentada com capim gera a mesma quantidade de emissões que dirigir 113,4 quilômetros com um carro compacto. Devido aos métodos de produção mais intensivos, produzir um quilo de carne convencional equivale e dirigir apenas 70,6 quilômetros.
Um quilo de queijo, produzido de forma convencional, equivale a 71,4 quilômetros de rodagem, enquanto o queijo orgânico é um pouco mais favorável, com 65,5 quilômetros. Produzir um quilo de carne de porco causa o equivalente a apenas 25,8 quilômetros de rodagem, e apenas 17,4 quilômetros para carne de porco orgânica.
Os vegetarianos decididamente comem de uma forma boa para o clima. Mas a simples opção de viver sem carne bovina pode melhorar significativamente a pegada de carbono de uma pessoa.
Mas como convencer produtores rurais e consumidores a produzirem e consumirem de formas que sejam melhores para o clima?
Segundo a Foodwatch, fazer com que o setor agropecuário participe do comércio de emissões não é viável. Em vez disso, a Foodwatch quer que a União Européia elimine todos seus subsídios agrícolas e introduza taxas sobre emissões e impostos ambientais. Isso recompensaria os produtores rurais por produção boa em CO2. Os consumidores seriam aqueles que pagariam pelo novo sistema, com o resultado (pretendido) sendo um aumento substancial no custo da carne, leite e queijo.
Gabriel, o ministro do Meio Ambiente, tem uma posição semelhante. Em documentos de estratégia, ainda confidenciais, Gabriel busca ativamente um confronto com o lobby agropecuário. Segundo Gabriel, 40 bilhões de euros em subsídios agrícolas só podem ser justificados se o dinheiro não prejudicar o clima. Ele também quer introduzir um sistema de inspeção ambiental que proibiria a importação de ração produzida em antigas áreas de floresta tropical. Segundo o documento de Gabriel, "nós precisamos de reestruturação radical dos subsídios". Ele argumenta que os produtores rurais só devem receber subsídios por coisas que "tenham um efeito positivo sobre a natureza e o meio ambiente".
Ao expressar estas posições, o ministro do Meio Ambiente está se colocando diretamente em oposição a Seehofer e tomando partido da Comissão de Bruxelas, que espera redefinir até 17% dos subsídios agrícolas o mais rapidamente possível, de pagamentos diretos aos produtores rurais à proteção agrícola do clima.
Na terça-feira (26), Seehofer, que se opõe à idéia, se encontrou com especialistas agropecuários federais e estaduais em Bonn para finalizar um pacote de medidas de proteção ao clima. O plano inclui propostas para "fertilização mais eficiente", novos animais que emitem menos metano e auxílio de investimento para compra de "equipamento agrícola bom para o meio ambiente". Ele também pede pela redução da quantidade de terras em uso.
Na verdade, o plano apenas pede por ações que há muito são exigidas ou aprovadas de forma voluntária. Metas de conservação concretas não são especificadas e não há menção sobre a redução do número de vacas.
Os altos funcionários de Seehofer estão cientes de que estas medidas são insuficientes para reduzir significativamente as emissões de gases do efeito estufa. Segundo altos funcionários do ministério, uma redução drástica dos gases emitidos pela agricultura só seria possível se as pessoas consumissem menos carne, leite, queijo e iogurte. Mas os mesmos funcionários reconhecem que isto é algo que eles não desejam e nem possuem a autoridade para exigir que alguém faça.
A equipe de Seehofer teme que a imposição de um imposto do clima sobre a carne e o leite levaria a protestos sociais e políticos - e a uma terceirização da produção no exterior. Por este motivo, eles argumentam, não faz nenhum sentido seguir esta rota.
Mas a Foodwatch acredita que esta é a única abordagem razoável, e não está sozinha nesta avaliação. O World Wildlife Fund, o Greenpeace e muitos especialistas têm posições semelhantes. A Federação das Organizações Alemãs do Consumidor deseja ver tanto o setor agrícola quanto o Conselho Consultivo do Meio Ambiente sejam incluídos na política do clima.
Os verdes defendem um bônus de clima, e seu membro no Parlamento Europeu, Friedrich-Wilhelm Graefe zu Baringdorf, acredita que um imposto sobre CO2 faz sentido, desde que seja introduzido para todos os setores. Mas, disse Baringdorf, o imposto não deve ser usado para substituir os subsídios agrícolas, e o sistema de subsídios precisa ser completamente reformulado.
Baringdorf, um produtor rural orgânico, disse que uma certa quantidade de moderação na produção de carne seria apropriada. "Mas vamos ser honestos. Eu não acredito que o mundo acabará por causa de peidos e arrotos de vacas."
quarta-feira, 2 de julho de 2008
Paul Roberts - "Em 2050, seremos todos vegetarianos"
No Ensaio Sobre O Princípio Da População, publicado em 1798, o inglês Thomas Malthus fez uma afirmação alarmante. Como a população humana crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética, no longo prazo o saldo desse descompasso seriam a fome e o aumento da mortalidade, ajustando o tamanho da população à oferta de alimento. Em 1800, havia 1 bilhão de humanos. Hoje, somos 6,6 bilhões. A produção agrícola superou a explosão populacional. Malthus estava errado? Para o jornalista americano Paul Roberts, de 54 anos, talvez não. A hora de Malthus pode ter chegado. Em The End of Food (O Fim da Comida, editora Houghton Mifflin), Roberts prevê que, até 2050, a demanda por comida ultrapassará a oferta. Um primeiro alerta seria a atual explosão do preço dos alimentos.
ENTREVISTA - PAUL ROBERTS |
QUEM É
Jornalista especializado em economia, tecnologia e meio ambiente. Tem 54 anos
O QUE FEZ
Colaborou com a revista Harper’s Magazine e com os jornais Los Angeles Times, The Washington Post eThe Guardian (de Londres), entre outros
O QUE PUBLICOU
The End of Oil (O Fim do Petróleo, 2004);
The End of Food (O Fim da Comida, 2008)
A tonelada de arroz passou de US$ 400 para US$ 1.000 em cinco meses. No Brasil, o feijão subiu 168,44% em 12 meses. A culpa, para os analistas, é de chineses e indianos, que estão ganhando mais e comendo mais. Em 2030, a China importará 200 milhões de toneladas de grãos, ou seja, todo o excedente exportável mundial. O que sobrará para os países pobres? Se nada for feito, a fome.
Paul Roberts – Após 200 anos, é cada vez mais difícil dizer “não” a essa pergunta. Continuamos desenvolvendo novas tecnologias para produzir mais comida, mas enfrentamos novas restrições que os fazendeiros do passado não tinham. Historicamente, a forma de aumentar a produção era expandir a área plantada. Isso é cada vez mais difícil. A maioria das terras aráveis do planeta já é usada e a maior parte do que resta são as últimas florestas. É o caso do Brasil, onde as novas áreas de plantio são obtidas à custa da derrubada de florestas.
Roberts – A Primeira Revolução Verde, que transformou a agricultura entre os anos 40 e 60, multiplicou a produção de alimentos graças ao uso de fertilizantes e ao desenvolvimento de novas sementes. Ainda é possível aumentar a produtividade usando os transgênicos. Mas essa tecnologia tem seus limites. Não podemos também esquecer que o preço da energia está subindo e que a agricultura moderna foi pensada no tempo em que o barril de petróleo custava US$ 20. Caso o preço se estabilize entre US$ 125 e US$ 200, o sistema atual não se sustenta.
Roberts – Há três grandes desafios para criar uma Segunda Revolução Verde. O primeiro é o aumento do preço do gás natural, o principal insumo na produção de nitrogênio sintético, que por sua vez é o maior insumo dos fertilizantes. A maior parte do excedente agrícola atual se deve à disponibilidade de nitrogênio barato. Se o preço dos fertilizantes se mantiver elevado, alimentar daqui a 50 anos outros 4 bilhões de pessoas, além dos 6,6 bilhões atuais, será um tremendo desafio. É preciso alternativas para produzir novos fertilizantes.
Roberts – A falta d’água. Para isso não existe alternativa. Não há continente onde não falte água. Cada país responde ao desafio de forma diferente. A China está substituindo a produção de grãos, que usa irrigação maciça, pela de frutas e verduras, que consome menos água. Em 2007, importou 30 milhões de toneladas de soja, boa parte oriunda do Brasil. Isso significa que a China está importando de vocês sua água. Está ocorrendo uma mudança no “mercado virtual” de água. Por algum tempo, isso deve contrabalançar a escassez. Mas, no fim das contas, não existe água suficiente no mundo para atender ao aumento projetado na demanda de alimentos.
Roberts – O último é o maior de todos: as mudanças climáticas. Elas vão dificultar o aumento na produção de comida e acentuar a escassez de água. A alteração do clima também será um desafio para que grandes exportadores, como os Estados Unidos e o Canadá, consigam elevar sua produção. Os desafios são complexos e as respostas para eles também. Será preciso reduzir o uso de energia e de água na agricultura, ao mesmo tempo que se elevam a eficiência e a produtividade. Porém, isso não será o bastante. Seremos obrigados a comer menos.
Roberts – A pecuária e a avicultura consomem grande parte da produção de grãos. Tome o exemplo dos Estados Unidos, com um consumo anual per capita de 100 quilos de carne, comparado ao da Índia, com 15 quilos. É preciso elevar o consumo da Índia e desencorajar o consumo nos Estados Unidos e na Europa, para tentar atingir uma média global de consumo mais justa e sustentável.
Roberts – É preciso reduzir o consumo de carne. A questão é como fazê-lo. Nos Estados Unidos não se toca no assunto. Achamos que comer carne é um direito eterno. Seu consumo é considerado um índice de prosperidade – apesar dos problemas de saúde, como doenças cardíacas, que seu consumo acarreta.
Roberts – O Brasil está se desenvolvendo, e a lógica pressupõe que num país bem-sucedido come-se tanta carne quanto se deseja. Para inverter essa lógica, é preciso um líder corajoso e habilidoso. Essa não é uma prioridade dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos. Cedo ou tarde, essa discussão terá de ser atacada.
carne, se isso tem sido um objetivo humano por milhares de anos?"
Roberts – Não sei. Não é uma questão que eles levantariam na campanha. Não soaria como algo patriótico.
Roberts – Ambos são problemas. Se fosse forçado a escolher, priorizaria a subnutrição, pois ela mata as pessoas muito mais cedo, e sua solução contribuiria para a estabilidade do clima. Dito isso, se fracassarmos em lidar com a questão da obesidade, no longo prazo pagaremos um enorme preço na forma de despesas médicas. Por 200 mil anos, a espécie humana teve sua dieta restrita pela disponibilidade ou não de alimento. A invenção da agricultura, há 10 mil anos, mudou esse padrão. A obesidade é conseqüência do acesso a uma alimentação farta e barata. Para manter uma dieta saudável, é preciso disciplina, e nós não fomos biologicamente projetados para controlar nossa gula.
Roberts – Apesar de conhecermos as conseqüências científicas e ambientais da rápida expansão da agricultura, somos incapazes de resistir à pressão política e econômica. Na imprensa econômica americana, o Brasil é retratado como uma história de sucesso. O país será uma superpotência na produção de alimentos. No entanto, quando olhamos as publicações científicas, o Brasil é retratado em termos muito negativos. A lógica gira em torno do fato de a população chinesa ganhar hoje o suficiente para comer carne, o que leva à destruição das florestas no Brasil. A questão fundamental é: como dizer a 1,3 bilhão de chineses que eles devem comer menos carne, se comer carne tem sido um objetivo humano por milhares de anos?
Roberts – (Risos.) Vou trabalhar num livro sobre as finanças globais, outro desastre. O mercado financeiro é a chave de tudo. Nada do que conversamos, como a conversão de florestas em área de cultivo no Brasil, pode acontecer sem a ajuda dos mercados financeiros. Eles estão em crise. São uma faca de dois gumes que é preciso entender melhor.
Roberts – Acho que sou. Ao dissecar a questão da escassez de recursos, aprendi como as coisas podem se tornar ruins. Eu sei qual é o pior cenário possível se não alterarmos a rota na qual caminhamos. Com isso em mente, acredito que qualquer mudança será para melhor. É muito fácil ser pessimista, mas isso não faria o menor sentido. A humanidade sempre conviveu com a escassez. Essa é a condição humana.